A solução para o estupro de vulnerável e o aborto legal.
A solução para o estupro de vulnerável
e o aborto legal.
Relutei muito para publicar este texto, consciente das polêmicas que envolvem um tema tão delicado como o aborto. Entretanto, sinto a necessidade de trazer minha perspectiva como ativista no combate à violência sexual contra meninas e mulheres e como psicanalista especializada em vítimas de estupro de vulnerável desde 2011.
Ao
longo dos anos, tenho acompanhado histórias de meninas que sofreram
a violência do estupro. Essas histórias carregam uma dor
indescritível, marcada não só pelo abuso, mas também pelo trauma
de uma gravidez não desejada. São vozes que ecoam um grito
silencioso, clamando por empatia e compreensão.
O aborto, em situações de estupro, não deve ser visto como uma escolha simples ou leviana. Para as meninas que sofrem o terror do abuso sexual e enfrentam a gravidez decorrente desse ato, precisamos ser uma sociedade que oferece apoio, respeito e opções reais. Precisamos ser a voz que ecoa seu grito silencioso e lhes dá a chance de escolher seu próprio caminho para a cura e a reconstrução. É com essa esperança e com o coração apertado que escrevo, acreditando que, ao discutirmos abertamente e com sensibilidade sobre temas difíceis como o aborto, podemos caminhar rumo a uma sociedade mais justa e empática.
Acredito e defendo a garantia dos direitos das vítimas de estupro, como o direito à informação, profilaxia e tratamentos de saúde adequados, acesso à justiça, medidas de segurança e, também, o aborto legal garantido desde 1940 (CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 Art. 128). A legislação permite o aborto em casos de risco à vida da gestante ou gravidez resultante de estupro, com o consentimento da gestante ou seu representante legal.
Desde 2011, ouvindo vítimas de abuso sexual, a grande maioria sofreu abuso com menos de 18 anos, enquanto psicanalista e coordenadora do NOVA Transforma, encontrei relatos extremamente dolorosos. Alguns casos são verdadeiros filmes de terror, em que mulheres, ainda adolescentes, foram forçadas a abortos clandestinos pelos seus abusadores, para eliminar a prova do crime. Essas mulheres relatam sentimentos de luto por um bebê que nem sabem se amariam, além de culpa, raiva e impotência. Comentando com uma delas o que acharam da proposta essa sobrevivente me respondeu: “Misericórdia, então eu estaria presa com essa lei? Eu tive aborto de estupro, mas eu não tinha condições psicológicas de ter um bebê sem amor, eu não imaginava ter um bebê de um estuprador, eu tirei um bebê de estrupo, e não concordo com essa lei. A vítima ter o mesmo tempo de cadeia,ou até mais tempo de cadeia por causa do aborto de um feto indesejado 😭😭😭😭😭😭😭😭😭😭.... Isso é inaceitável no meu ponto de vista, ser presa por ter abortado um feto de um monstro estuprador.”
É sobre ouvir relatos de pessoas tão feridas por abusadores que é impossível não se sensibilizar. Algumas mulheres que rejeitaram seus filhos por estes as lembrarem dos pais, descarregando ressentimentos e raiva neles. Uma boa parte desses casos nem eram filhos frutos de estupro, mas de relacionamentos ruins, e ver essas crianças sendo mal tratadas, sofrendo as vezes mais do que a própria mãe é muito dolorido também, nesses casos a adoção é uma saída muito mais viável e segura para o bebês. Meu empenho é que nenhuma vida se perca, em nossa instituição encaminhamos os casos de rejeição do bebê decorrentes de gravidez indesejada para o Projeto “Dar a Luz” do Tribunal de Justiça de MS. Já recebemos centenas de casos de meninas que tentaram abortos clandestinos, por isso todos os anos fazemos ações de prevenção à gravidez precoce, auto cuidado ginecológicos e métodos contraceptivos. Até hoje já recebemos dezenas de meninas com suspeitas de gravidez e encaminhamos para os procedimentos dentro dos prazos, não tivemos interrupções de gravidez avançadas em nossa instituição.
Em todos esses anos de atendimento, nunca conheci uma mulher que se sentisse feliz por ter abortado. Não encontrei quem desejasse abortar e fosse impedida pela justiça. Reconheço que há casos em que crianças grávidas devido ao abuso sexual optam pela adoção, e essa decisão não lhes traz um peso maior ou menor. Cada caso é único, cada dor é sentida de forma pessoal e intensa, e não cabe a nós julgar ou decidir por. A decisão de realizar ou não tais procedimentos deve ser respeitada e tratada com total empatia, sem julgamentos.
Na Fundação de Assistência a Pessoa Humana (FUNASPH), temos um projeto desde 2021 que atende mães adolescentes de 14 a 17 anos e 11 meses, o Projeto ELAS, oferecendo apoio psicológico e social. A Psicóloga Mônica Pacheco que atende essas mãezinhas comentou que “elas relatam que se sentem sozinhas, sentem um vazio e uma tristeza imensa, agora com o bebe é uma oportunidade de não se sentir mais sós, e tampar o buraco que elas tem.” conta ainda que algumas já relataram que tentaram aborto, chegam lá sem ter feito pré-natal, bem desestruturadas com muito medo de julgamentos. No Elas as meninas vem com perfil de gestação que decorre de uma condição natural do adolescente, e lá se proporciona apoio para que se desenvolver de forma sadia a gravidez na adolescência, para Mônica quando falamos de gravidez decorrente de um estupro “precisamos entender que estamos falando de uma condição específica e que precisa de um olhar diferenciado e cuidadoso.” A coordenadora Mercedes Tavares afirma que, ao se depararem com uma gravidez indesejada, mesmo sendo de um namoradinho o sentimento inicial é de medo e rejeição. Muitas vezes, elas descrevem o bebê posteriormente como "o amor de suas vidas", conforme relatado no livro "Florescer". Em 2023, lançamos uma coletânea de livros em parceria com o "Criança Esperança", onde essas jovens expressam seus sentimentos através de escrita, colagens e desenhos (disponível para venda no Instagram @elasmaesadolescentes).
O aborto legal é um direito importante para a vítima de estupro, mas não alivia a dor da sobrevivente. Elas já pagam pelo crime que não cometeram, convivendo com lembranças e consequências terríveis do estupro, que geram inúmeros traumas e desdobramentos. Os mais conhecidos são culpa, vergonha, sensação de ser mau, sujo e sem valor, perda da confiança em outras pessoas, doenças psicossomáticas, vícios, limitações interpessoais e profissionais, impotência sexual, doenças emocionais, patológicas e compulsões. Há, também, prejuízos no desenvolvimento da sexualidade e insatisfação na atividade sexual, carregada de nojo durante as relações, misturando perversões com aversão, numa dinâmica de repetições doentias. Dificuldades de relacionamento com pessoas do mesmo sexo do abusador são comuns. Além disso, um problema que afeta cerca de 80% delas são autolesão, pensamentos e tentativas de suicídio constantes.
A recente proposta da PL 1904/24, que equipara o aborto de fetos com mais de 22 semanas ao crime de homicídio, condenando a mãe a até 20 anos de prisão, é extremamente incoerente. É inaceitável tratar uma mulher que enfrenta a dolorosa decisão de abortar como uma assassina, quando o crime de estupro, que muitas vezes leva a essa decisão, resulta em penas médias de apenas 10 anos. É difícil acreditar que esta lei vá progredir em outras instâncias, dado o seu caráter desproporcional e insensível.
Os legisladores parecem mais interessados em fomentar debates polarizadores e disputas de poder, ignorando completamente as vítimas envolvidas. Em vez de oferecer soluções reais e empatia, estão ignorando a complexidade do assunto criando ainda mais confusão.
Além disso, a aprovação pelo STF do procedimento de assistolia fetal, que causa o óbito do feto antes da interrupção da gravidez, é igualmente preocupante e vai contra os princípios éticos da medicina. Este procedimento envolve a administração de substâncias no coração do feto, resultando em sua morte antes de ser retirado do útero. Segundo o Conselho Federal de Medicina, um feto com 25 semanas e peso acima de 500 gramas é considerado viável para sobreviver fora do útero. Já a partir de 23 a 24 semanas, existe uma possibilidade de sobrevivência. Antes das 22 semanas, as chances de sobrevivência são nulas com a tecnologia atual.
Não devemos focar a discussão no aborto, mas sim na cultura do estupro que justifica o ato e absolve os abusadores, questionando a veracidade dos relatos das vítimas, culpando elas como se de alguma forma possam ter provocado (isso me revolta tanto!). Precisamos urgentemente de políticas públicas para a prevenção do abuso sexual infantil e melhores medidas de proteção à infância. Existem muitas formas de alcançar isso, mas infelizmente não estão sendo pautadas pelo poder legislativo com a ênfase necessária.
O caminho minimamente sensato passa por criar um ambiente de apoio, respeito e empatia, garantindo que as vítimas tenham acesso a todos os recursos necessários para superarem seus traumas e reconstruírem suas vidas. É essencial que o foco esteja em prevenir o abuso e proteger as crianças, ao invés de penalizar ainda mais as vítimas com leis injustas e desproporcionais. A discussão sobre a interrupção da gravidez em casos de estupro é complexa e exige uma abordagem sensível e informada. Devemos continuar lutando pelos direitos das vítimas, proporcionando-lhes o apoio necessário para que possam superar os traumas e reconstruir suas vidas com dignidade e respeito.
Estou à disposição para ouvir opiniões diversas e também aproveito o espaço para convocar todas as pessoas que estão irritadas ou indignadas com a situação para se unir aos Projetos Sociais que fazem ações de proteção, faça parte da seleta parte de pessoas que estão fazendo ações de prevenção e cuidado de pessoas, se quer mudar alguma coisa olhe pra infância, nos ajude a ensinar crianças e adolescentes que ninguém pode tocar em suas partes íntimas, nos ajude a capacitar para pais e educadores para perceberem os sinais de uma criança que possa estar sofrendo abuso, nos ajude a falar sobre direitos para mulheres, denuncie todas as formas de abuso sexual e violação de direitos, nos ajude a embalar os filhos das mães adolescentes do ELAS, nos ajude a tratar a dor dos atendidos pelo Nova. Vamos nos ocupar de fato em proteger a Infância.
Viviane
Vaz
Psicanalista, Escritora,
Coordenadora do Projeto NOVA TRANSFORMA
/ FUNASPH
vivi.vaz@hotmail.com
Referências:
https://forumseguranca.org.br/publicacoes/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/
https://www.tjms.jus.br/projetos/dar-a-luz
Desculpa mas a solução para meninas vítimas de uma violência como essa é o acolhimento da igreja, suporte psicológico e cuidado das duas vítimas, mãe e bebê, aborto nunca será uma solução viável, muito menos para quem diz que professa a fé nas escrituras.
ResponderExcluirem momento algum coloquei como solução o aborto, justamente a proposta do texto foi questionar isso.
ExcluirEu sou totalmente contra está lei, sou a favor da prisão perpétua para esses estrupadores, pedófilos.
ResponderExcluirEstou contigo em proteger nossas crianças, adolescentes e mulheres vítimas de estrupos.
ResponderExcluirViviane, parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirOntem saiu tb um artigomeu resumido sobre o tema
https://bit.ly/AbortoInclusao